A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ decidiu que, mesmo havendo testamento, é admissível a realização de inventário e partilha por escritura pública, na hipótese em que todos os herdeiros são capazes e concordes. Para o colegiado, a legislação contemporânea tem reservado a via judicial apenas para hipóteses em que há litígio entre os herdeiros ou algum deles é incapaz.
No caso dos autos, foi requerida a homologação judicial de uma partilha realizada extrajudicialmente, com a concordância de todas as herdeiras. Nessa ocasião, foi informado que o testamento havia sido registrado judicialmente.
Em primeira instância, o juízo negou o pedido de homologação sob o argumento de que, havendo testamento, deve ser feito o inventário judicial, conforme previsto no artigo 610, caput, do Código de Processo Civil, não podendo ser substituído pela simples homologação de partilha extrajudicial. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS.
No recurso dirigido ao STJ, sustentou-se que as herdeiras são capazes e concordes, por isso o inventário e a partilha poderiam ser feitos por escritura pública. Também foi assinalado que existem precedentes no próprio STJ e de outros tribunais que autorizam o inventário extrajudicial.
Interpretação teleológica
A relatora, ministra Nancy Andrighi, afirmou em sua decisão que o caso exige uma interpretação teleológica e sistemática dos dispositivos legais. Com isso, seria possível chegar a uma solução mais adequada. Ela ainda mencionou precedente da Quarta Turma que autorizou a realização de inventário extrajudicial em situação semelhante.
Segundo Andrighi, a exposição de motivos do projeto de lei que criou a possibilidade de inventários extrajudiciais revela que o legislador teve a preocupação de impedir a sua prática quando houvesse testamento em razão da potencial existência de conflitos.
“A exposição de motivos reforça a tese de que haverá a necessidade de inventário judicial sempre que houver testamento, salvo quando os herdeiros sejam capazes e concordes, justamente porque a capacidade para transigir e a inexistência de conflito entre os herdeiros derruem inteiramente as razões expostas pelo legislador”, ela afirmou.
A ministra acrescentou que a tendência contemporânea da legislação é estimular a autonomia da vontade, desjudicializar os conflitos e adotar métodos adequados de resolução das controvérsias. A via judicial, então, ficaria reservada para casos de conflitos entre os herdeiros.
Decisão ‘contemporânea’
Para o notário Thomas Nosh Gonçalves, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a decisão do STJ pode ser caracterizada como “contemporânea, dentro dos limites da legalidade e dos objetivos teleológicos do ordenamento jurídico”.
“Trata-se de um fenômeno de extrajudicialização, ou seja, prática de determinados atos pelos cartórios extrajudiciais. Vale ressaltar que sempre deverá ser consensual essa relação jurídica processual e, havendo litigiosidade, o Poder Judiciário e os advogados constituídos atuarão na busca pelo justo em ambiente não administrativo, e sim contencioso”, ele analisa.
O notário destaca o que defende o advogado Flávio Tartuce, presidente da seção São Paulo do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM/SP, segundo o qual a exigência da via judicial no caso de existência de testamento deveria ser mitigada, possibilitando a feitura em âmbito administrativo, especialmente nos casos em que os herdeiros são maiores, capazes e concordam com esse caminho facilitado, havendo prévio processamento de abertura do testamento na via judicial.
“Além disso, nos termos do art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o fim social da Lei 11.441/2007 foi a redução de formalidades, devendo essa sua finalidade sempre guiar o intérprete do Direito. O mesmo deve ser dito quanto ao CPC/2015, inspirado pelas máximas de desjudicialização e de celeridade, em vários de seus comandos. Seja dito de passagem, essa posição doutrinária foi citada e transcrita no memorável acordão da 4º e 3º Turmas do STJ sobre o tema”, aponta Thomas.
Para ele, a decisão do STJ representa “a pacificação do tema, permitindo que os julgadores tenham maior tranquilidade nos julgamentos – afastando qualquer tipo de infração hermenêutica –, não correndo o risco de insegurança de inovações legais, aplicando o direito em conformidade com o ordenamento jurídico posto”.
“Também indica uma vereda aos corregedores estaduais na implementação das Normas de Serviço ou Código de Normas Extrajudiciais”, acrescenta.
Fonte: IBDFAM